O uso irracional de medicamentos frente à pandemia de COVID-19

Flavio Rodrigues Lopes Filho*

O medicamento é um elemento essencial no tratamento da saúde do indivíduo, entretanto, o uso inadequado é um sinal de alerta. A utilização correta de medicamentos, isto é, sob supervisão de um profissional de saúde, pode prevenir a ocorrência de reações não esperadas (reações adversas), intoxicações e até mesmo a morte.

De acordo com o Conselho Federal de Farmácia, o uso racional de medicamentos é um processo que se inicia com a prescrição do remédio e vai até a chegada do medicamento ao paciente, considerando condições adequadas, como doses necessárias, intervalos pré-definidos e numa quantidade de tempo eficaz, segura e com qualidade.

A automedicação, isto é, o ato de se medicar sem avaliação de um profissional de saúde ou o diagnóstico do profissional médico, é uma prática comum e, ao mesmo tempo, arriscada. Segundo a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), 18% das mortes por envenenamento são atribuídas ao uso irregular de medicamentos e 23% dos casos de intoxicação infantil estão relacionadas a ingestão acidental de remédios. Vale ressaltar que medicamentos podem oferecer riscos à saúde, quando consumidos incorretamente ou sem a supervisão de um profissional da saúde, inclusive aqueles que podem ser adquiridos sem prescrição médica, como analgésicos, antitérmicos e anti-inflamatórios. Estes, por exemplo, frequentemente estão associados aos casos de mortes e envenenamentos.

Diante da pandemia de COVID-19, ocasionada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), observou-se aumento do consumo irracional de medicamentos. Até este momento, não há um tratamento eficaz no combate a doença e as mortes continuam ocorrendo. Dentre os fatores que contribuem para o crescimento do índice de automedicação, nota-se que muitas pessoas estão sendo influenciadas por Fake News. Diariamente são veiculados estudos e novas medicações, que não possuem qualquer embasamento científico, contendo informações falsas a respeito de como combater o coronavírus.

No Brasil, por exemplo, foi amplamente divulgado o uso do medicamento hidroxicloroquina (ou cloroquina). Sua utilização foi incentivada, inclusive a nível federal, antes de sua eficácia ser cientificamente comprovada. Posteriormente as pesquisas revelaram que o medicamento não é efetivo no combate à doença e evidenciaram diversas reações, principalmente cardíacas, associadas ao uso da substância. Além desta, outros medicamentos como nitazoxanida e ivermectina, também passaram a ser consumidos visando combate ao COVID-19. Este cenário impulsionou a iniciativa da ANVISA em estabelecer uma legislação de controle provisório (RDC 405 de 22 de julho de 2020), impossibilitando a compra sem apresentação de receita médica.

Dado o contexto, é importante se atentar para o uso de medicamentos sem orientação médica, especialmente aquelas pessoas que possuem doenças pré-existentes e/ou que se enquadram em um grupo de risco. Uma alternativa à automedicação como estratégia de prevenção à problemas de saúde, é o estabelecimento de hábitos saudáveis, como a prática de atividades físicas, uma alimentação saudável e acompanhamento com profissionais de saúde. Também se faz necessário, conscientizar a população a respeito dos riscos da automedicação, de modo que este recurso seja utilizado de maneira racional, seja durante a pandemia, mas também fora dela.

REFERÊNCIAS

Bispo, Jessé Eduardo. Automedicação e os riscos à saúde em tempos de Covid-19. Escola de Educação Permanente, HCFMUSP, Sâo Paulo, 2020. Disponível em: https://eephcfmusp.org.br/portal/online/automedicacao-riscos-saude-covid19/

BRASIL, Ministério da Saúde. Cartilha para a promoção do uso racional de medicamentos. Editora MS, Brasília, 2015. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_promocao_uso_racional_medicamentos.pdf

BRASIL, RDC nº 405, de 22 de julho de 2020. Estabelece as medidas de controle para os medicamentos que contenham substâncias constantes do Anexo I desta Resolução, isoladas ou em associação, em virtude da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) relacionada ao novo Coronavírus (SARS-CoV-2). Brasília, DF, 2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-de-diretoria-colegiada-rdc-n-405-de-22-de-julho-de-2020-268192342

João, Walter da Silva Jorge. Reflexões sobre o uso racional de medicamentos. Pharmacia Brasileira, v. 78, n. 1, pág. 15-16. Disponível em: https://www.cff.org.br/sistemas/geral/revista/pdf/128/015a016_artigo_dr_walter.pdf

* Flavio é farmacêutico e pós-graduando em farmácia clínica e prescrição farmacêutica.

Mindfulness no Juntos ABPMC

A técnica de Mindfulness, também conhecido como atenção plena, é uma prática que nos ajuda a prestar atenção no momento presente focando nas nossas emoções, respiração e no nosso entorno. Essa técnica vem sendo usado por psicólogos para auxiliar o tratamento de sintomas de stress, depressão e transtorno do estresse pós traumático (Nidich, O’connor, Rutledge, Duncan, Compton, Seng, & Nidich, 2016; Chiesa, Castagner, Andrisano, Serretti, Mandelli, Porcelli, & Giommi, 2015; Williams, Crane, Barnhofer, Brennan, Duggan, Fennell, Hackmann, Krusche, Muse, Von Rohr, Shah, Crane, Eames, Jones, Radford, Silverton, Sun, Weatherley-Jones, Whitaker, Russell, 2014; Goyal, Singh, Sibinga, Gould, Rowland-Seymour, Sharma, Berger, Sleicher, Maron, Shihab, Ranasinghe, Linn, Saha, Bass, Haythornthwaite, 2014).

Por isso, o Juntos ABPMC vai lançar alguns episódios de um podcast focado na prática do mindfulness para ajudar a passar por esse momento tão conturbado. O primeiro episódio é apresentado pela psicóloga Inês Alkimin que nos convida a uma pratica de mindfulness voltada para a gratidão. 

Referências:

Goyal, M., Singh, S., Sibinga, E. M., Gould, N. F., Rowland-Seymour, A., Sharma, R., Berger, Z., Sleicher, D., Maron, D. D., Shihab, H. M., Ranasinghe, P. D., Linn, S., Saha, S., Bass, E. B., & Haythornthwaite, J. A. (2014). Meditation programs for psychological stress and well-being: a systematic review and meta-analysis. JAMA internal medicine, 174(3), 357–368. https://doi.org/10.1001/jamainternmed.2013.13018

Williams, J. M., Crane, C., Barnhofer, T., Brennan, K., Duggan, D. S., Fennell, M. J., Hackmann, A., Krusche, A., Muse, K., Von Rohr, I. R., Shah, D., Crane, R. S., Eames, C., Jones, M., Radford, S., Silverton, S., Sun, Y., Weatherley-Jones, E., Whitaker, C. J., Russell, D., … Russell, I. T. (2014). Mindfulness-based cognitive therapy for preventing relapse in recurrent depression: a randomized dismantling trial. Journal of consulting and clinical psychology, 82(2), 275–286. https://doi.org/10.1037/a0035036

Chiesa, A., Castagner, V., Andrisano, C., Serretti, A., Mandelli, L., Porcelli, S., & Giommi, F. (2015). Mindfulness-based cognitive therapy vs. psycho-education for patients with major depression who did not achieve remission following antidepressant treatment. Psychiatry research, 226(2-3), 474–483. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2015.02.003

Nidich, S., O’connor, T., Rutledge, T., Duncan, J., Compton, B., Seng, A., & Nidich, R. (2016). Reduced Trauma Symptoms and Perceived Stress in Male Prison Inmates through the Transcendental Meditation Program: A Randomized Controlled Trial. The Permanente journal, 20(4), 16–17. https://doi.org/10.7812/TPP/16-007

#mindfulness

Uma análise analítico comportamental do Luto

Laís Nicolodi

Em um cenário de pandemia global, quarentena sem previsão de fim e uma curva do número de mortes por COVID-19 que não para de crescer, é comum experimentarmos alguns sentimentos aversivos que derivam da nossa sensação de incontrolabilidade, ou seja, tudo o que está acontecendo agora está fora do nosso controle. Alguns especialistas apontam que esse processo compõe uma das etapas do que seria um “luto antecipado”.

Uma das grandes estudiosas dos processos do luto, Elisabeth Kübler-Ross, propôs em seu livro em 1969 – On Death and Dying1 – um modelo para descrever os estágios do luto, que ficou popularmente conhecido como o “Modelo de Kübler-Ross”. Tal modelo descreve cinco estágios, não lineares, pelos quais um indivíduo enlutado passa. Alguns estudiosos2 tecem críticas ao modelo de Kübler-Ross por não haver comprovações empíricas que atestem que esses estágios se aplicam universalmente a todos os indivíduos de maneira precisa e exata durante o processo do luto. Tal crítica é muito bem-vinda para que nos lembremos da distinção entre as leis básicas do comportamento (Skinner, 19533) e um modelo teórico interpretativo importado de outra área de estudo.

O modelo de Kübler-Ross não tem a pretensão de ser lido como um sistema imutável de processos comportamentais precisos e exatos. Pelo contrário, por se tratar de um processo interpretativo e com viés subjetivo da autora, ele está o tempo todo passível de ser aprimorado e desenvolvido por novos teóricos. Ter esse ponto esclarecido é fundamental para se dar os primeiros passos que embasarão a análise preliminar interpretativa, aqui pretendida, para uma compreensão mais profunda a respeito do processo do luto. 

O modelo de Kübler-Ross se resume aos seguintes estágios: 1. Negação; 2. Raiva; 3. Negociação/Barganha; 4. Depressão; e 5. Aceitação4. A autora descreve que esses estágios não seguem, necessariamente na mesma ordem, igualmente para todos e que muitas vezes podem se sobrepor uns aos outros, como por exemplo, uma pessoa experienciando a fase da “negociação/barganha” pode estar ao mesmo tempo sentindo raiva ou os sentimentos que compõe a fase da depressão. Isso posto, uma leitura analítico comportamental pode nos ajudar a compreender algumas das condições por trás desses estágios durante o momento atual da pandemia da COVID-19. 

Como anteriormente mencionado, a sensação de incontrolabilidade é aversiva para os indivíduos (e inclusive para animais não humanos, como aponta Hunziker, 20055) e frequentemente produz como consequência comportamentos de esquiva. A iminência de morte, seja do próprio indivíduo ou de algum ente querido, talvez seja uma das maiores experiências que fogem do nosso controle que se possa imaginar. Por esse motivo, o primeiro estágio segue em uma direção de tentar “se proteger”, ou seja, se esquivar da condição aversiva dessa sensação do luto antecipado, traduzida no clássico: “esse vírus não é tão perigoso assim, é só uma gripezinha”; ou “esse vírus não vai chegar até mim e se chegar até mim ou minha família, não vai nos derrubar”. Podemos até levantar hipóteses sobre a função do estágio da negação (vulgo, o comportamento de negar algo) que é a de proteção e esquiva do teor aversivo experienciado durante o primeiro contato com a incontrolabilidade.  

O segundo estágio, a raiva, parece ser um desdobramento da etapa de negação. É coerente que respondentes típicos da raiva surjam contingentes à privação de todos os nossos reforçadores repentinamente. Difícil imaginar alguém que não tenha nenhum acesso de raiva quando têm seus reforçadores sociais arrancados assim de uma semana para outra. Em uma semana estamos todos com acesso irrestrito aos nossos amigos e familiares, pessoas que amamos e pelas quais somos amadas, e, na semana seguinte, somos obrigados a ficar isolados de estar fisicamente próximo dessas pessoas, até porque muitas delas (ou nós mesmos) podem se enquadrar em população pertencente ao grupo de risco. O que se observa, no entanto, é que o comportamento verbal frequentemente empregado em função dessa raiva são de respostas agressivas. Geralmente agressões verbais como: “Os governadores e prefeitos são interesseiros por visarem seus próprios interesses políticos ao nos obrigarem a ficarmos de quarentena!”; ou “Foi o maldito partido chinês comunista que desenvolveu esse vírus em laboratório e soltou no resto do mundo para que a China seja a nova potência global!” Como se observa, manifestações verbais de raiva, como as levantadas, frequentemente  direcionadas para um agente externo: o inimigo é o outro. Alguém precisa ser o culpado.

O terceiro estágio, a negociação/barganha não se refere a um estágio com contornos bem definidos porque muitas vezes esses comportamento verbais são emitidos durante a fase da raiva ou da depressão. Esse estágio descreve relatos que acobertam tentativas de conciliar os interesses entre as partes: “Ok, eu posso ficar de quarentena por um tempo, mas depois de 2 semanas tudo vai voltar ao normal e eu poderei sair da quarentena né?”; ou “Eu ficarei de quarentena durante a semana, mas no final de semana tudo bem se eu me reunir com amigos em casa, certo?”. É como se fosse uma tentativa de negociação que busca por uma síntese entre a tese da quarentena compulsória e a antítese do ambiente com reforçadores sociais. Como se o indivíduo estivesse estudando a possibilidade de um meio termo que contemplasse um ambiente menos escasso desses reforçadores sociais que fosse tolerável. Nota-se que o estágio da negociação/barganha ainda se pauta em uma perspectiva que pode ser reforçadora para o sujeito, disfarçada no fundo de uma luta para contornar a aversividade da privação de todos os seus reforçadores, ou seja, ainda observamos a esquiva.

Até que finalmente, o estágio quarto, uma das fases mais delicadas, importantes e com o verdadeiro potencial transformador: a depressão. A fase em que talvez possamos afirmar em termos funcionais como sendo a suspensão da esquiva: o sujeito entra em contato com os respondentes mais aversivos da questão. O abatimento, a tristeza profunda, a frustração, a desesperança. Em outras palavras, é a concretização do desamparo: “Não sabemos quando isso vai terminar? Não”. Esse estágio requer um olhar muito cuidadoso e sensível, porque geralmente é quando o indivíduo se permite a vulnerabilidade. E a vulnerabilidade geralmente assusta, mas ela é fundamental para uma elaboração sensível e honesta do luto. Freud usava o termo “elaboração” para se referir ao processo necessário para o luto, pois o termo inclui a palavra “labor” que significa “trabalho”. Ou seja, tudo que vinha acontecendo até então fazia parte desse “trabalho” que agora vai ganhar uma forma mais autêntica.

Eu diria que aí mora a beleza de uma escuta empática no contexto clínico, pois é na relação terapeuta-paciente que se fornecem algumas das condições que irão ensinar ao indivíduo a importância de se “dar mais espaço” para esses respondentes do estágio da depressão durante o processo do luto. A experiência de mergulhar nesses respondentes assusta porque é a certeza de que vai doer e, em termos adaptativos, embora sejamos ensinados a nos proteger da dor, entrar em contato – genuinamente – com essa dor, nesse momento, é fundamental. Em outras palavras: é importante que nos deixemos doer. 

É válido destacar que esse quarto estágio é bastante delicado, por dar margem à uma interpretação equivocada de uma suposta “romantização da dor”. Entrar em contato com a dor, de forma honesta e gentil, não é o mesmo que romantizar a dor, mas sim de se validar a existência dela. Uma invalidação do sentimento de tristeza que o indivíduo enlutado sente, pode até mesmo ser violento e gerar mais danos a longo prazo. Por isso que passar pelo estágio da depressão de forma honesta e de “peito-aberto” é tão fundamental, porque legitima a existência de um sofrimento emocional. A gente só consegue escutar algo de fato, depois que reconhecemos que ele existe e está ali. Isso feito, de forma sensível e não invalidante, o indíviduo começa a entrar no último estágio do luto, o de aceitação.

O quinto e último estágio se trata de uma longa e exaustiva elaboração de todas as etapas anteriores, que culmina no momento em que o indivíduo finalmente assume pra si: “Ok, isso está acontecendo”. Como já mencionado anteriormente, alguns estágios se sobrepõem e isso não significa que o indivíduo não emita verbalizações como essa durante o estágio 3 ou 4, por exemplo, a pessoa pode até assimilar e aceitar o que está acontecendo durante o processo de elaboração do luto, mas o momento final desse luto se dá quando ele efetivamente aceitou o caráter da incontrolabilidade da pandemia e das mortes crescentes, buscando formas de assimilar e lidar com esse cenário que escapa de seu controle.

É comum que algumas pessoas interpretem a aceitação como um estado de “apatia” na qual o sujeito não está mais em contato com nenhum de seus respondentes. Isso é um equívoco, uma vez que, toda memória da tragédia e das dores que foram vividas em decorrência de tudo que aconteceu é o que nos permite entrar em contato novamente com os respondentes (talvez, de forma mais branda à depender do tempo ou da vividez da rememoração) e são justamente eles que irão nos ajudar no sexto e último estágio, desenhado posteriormente, em 2014, por David Kessler, em co-autoria com Elisabeth Kübler-Ross no livro On Grief and Grieving: Finding the Meaning of Grief through the Five Stages of Loss6.

Depois de mais de 40 anos da publicação original do modelo Kübler-Ross, Kessler foi um dos estudiosos sobre o luto que incrementou ao modelo original uma etapa que se desenvolve a partir do processo de aceitação, que é o de dar um sentido/significado para tudo7. No seu livro, Finding Meaning: The Sixth Stage of Grief8, ele formaliza a etapa intitulada como “os significados” para o luto.

Embora seja uma etapa desenvolvida mais recentemente, ela proporciona uma leitura muito sensível para o processo do luto de que ele não se encerraria na aceitação. Pois é a aceitação que nos permite dar um novo contorno para o sentido da nossa trajetória: Por quê sofremos com a perda de alguém? O que nos faz estar no aqui agora sentindo dor e investindo energia emocional por alguém que já nem sequer está mais aqui? Certamente, é aonde a gente dói que mais diz sobre a gente.

O processo do luto não é laborioso à toa, pois é nele que reorganizamos alguns dos nossos pilares e valores de vida. A valiosa etapa de sentir a dor e dar espaço para os respondentes de todas as fases nos permite resgatar algumas das nossas relações mais íntimas e profundas e que nos direcionam para os nossos valores: “O que nos importa de verdade?” Não é o estímulo que ficou diferente, mas é a nossa relação com ele que está se transformando e, através de uma elaboração intensa do luto, aprendemos a atribuir novos significados e sentidos pra nossa relação com a perda, tirando dela um pouco mais sobre nós mesmos: ressignificação.

Que possamos viver o luto à nossa maneira, subjetivamente, no nosso tempo e, respeitosamente. Que ao final possamos tirar disso um sentido que nos permita viver mais alinhados ao que realmente nos é importante.

Notas de rodapé:

1Tradução na edição para o português: Sobre a Morte e o Morrer

2 Stroebe, Margaret; Schut, Henk; Boerner, Kathrin (2017). «Cautioning Health-Care Professionals». Omega. 74 (4): 455–473. ISSN 0030-2228.PMC 5375020. PMID 28355991. doi:10.1177/0030222817691870

Bonanno, George A. (2019) [2009]. The Other Side of Sadness: What the New Science of Bereavement Tells Us About Life After Loss (em inglês). Londres: Hachette UK. pp. 32–34. ISBN 978-1-5416-9942-7

3 Skinner, B. F. (1953). Science and Human Behavior. New York, NY. Macmillan.

4 Imagem: https://static.psycom.net/wp-content/uploads/2016/03/kubler-1024×806-1.jpg

5 Hunziker, M. H. L. (2005). O desamparo aprendido revisitado: estudos com animais. 138 Psicologia: Teoria e Pesquisa, 21, 131-139.

6 Tradução: Sobre o Luto e o Enlutar-se: Buscando significado no Luto nos cinco estágios da perda.

7 Entrevista no Medium: https://medium.com/@anamarcela.sa/esse-desconforto-que-voc%C3%AA-est%C3%A1-sentindo-%C3%A9-luto-b480bb4644cc

8 Encontrando Significado: O sexto estágio do Luto

Lidando com filhos em tempos de quarentena

Alessandra Turini Bolsoni-Silva

Pretende-se descrever, neste texto, sem a pretensão de esgotá-las, algumas dicas amparadas cientificamente, de como lidar com as crianças e adolescentes para fins de educar e promover o desenvolvimento. Tema muito relevante especialmente com a presença da quarentena que é um estressor de alta magnitude e que requer muita adaptação das atividades de trabalho, lazer e de interação. Tais recomendações foram elaboradas a partir de duas obras (Bolsoni-Silva, Marturano & Fogaça, 2019; Bolsoni-Silva, & Fogaça, 2019) que são resultado de diversas pesquisas científicas, de caracterização e de intervenção, conduzidas nos últimos 20 anos, vinculadas ao Departamento de Psicologia, ao PPG em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem e ao Laboratório de Aprendizagem, Desenvolvimento e Saúde (LADS), da Universidade Estadual Paulista (Unesp-Bauru).

Educar filhos não é uma tarefa fácil; talvez seja uma das mais complexas e difíceis que as pessoas enfrentam no curso da vida, o que se torna ainda mais desafiador em tempos de isolamento social. Por outro lado, ter um filho é uma experiência única, motivadora, recompensadora e de muita alegria para toda a família, sendo, em geral, um momento de muita espera para famílias biológicas e adotivas e, assim, aprender a interagir positivamente pode manter as famílias unidas e felizes.

Essa tarefa do desenvolvimento é difícil por muitas razões, uma delas remete ao que se costuma ouvir em nossa cultura “educar filho não tem receita”, que é então uma regra vigente em nosso meio. Isso significa que os pais/mães não sabem bem como educar e cuidar de uma criança, por isso recorrem aos familiares que vão ajudar no que podem, aos pediatras, à literatura, mas de fato não há receita pronta porque cada criança é única, bem como seus familiares, cuja interação será, portanto, singular. Além disso, as famílias precisam se adaptar a uma grande mudança, comportamentos que costumavam fazer reduzem de frequência como sair a noite, dormir bem todas as noites, ter todo o tempo disponível para trabalhar ou lazer, agora com uma ou mais crianças é preciso aprender a dividir o tempo (com os afazeres, descanso, lazer e o cuidado os filhos), a negociar divisão de tarefas com os cuidadores da criança, a lidar com o estresse e mal estar que a situação nova gera, de forma a conseguir garantir que o filho receba tudo o que precisa quanto a carinho, cuidado e alimentação. 

A quarentena tem sido um momento que exige novas adaptações. Agora todos estão em casa, o máximo que podem, trabalhando em teletrabalho; Já as crianças, estão tendo aulas pelo computador. Ou seja, os familiares já não podem sair e trabalhar sem interferência dos filhos, as crianças já não fazem tarefas na escola, as pessoas ficam muito tempo juntas, aumentando a chance de conflitos. 

Nesse sentido algumas sugestões contextuais podem ser úteis para conseguir manejar o estresse e interagir bem com as crianças e jovens. Dentre elas está o manter uma rotina de acordar e dormir para os adultos, crianças e jovens, dividir o tempo em que trabalha, supervisiona tarefas escolares e descansa, para isso pode ser combinado com outros membros da família um rodízio de quem ficará com a criança, para a outra pessoa trabalhar. É imprescindível também negociar com a criança/jovem, estabelecendo regras de qual período os cuidadores precisarão trabalhar e em qual poderão dar atenção a ela. Procure fazer uma atividade física, a qual ajuda a dar disposição e bem-estar. Mantenha uma agenda com atividades diárias que são possíveis de serem realizadas nesse momento em que vivemos, procurando sempre sinalizar para si mesmo o quanto tem ou não cumprido as metas, o que pode implicar em replanejamento. Ter uma vida diária com previsibilidade, na medida do possível, e fazer atividades agradáveis poderá reduzir sintomas de ansiedade e de depressão, além de melhorar sentimentos de bem-estar. Essas sugestões podem ajudar a reduzir o estresse de todos e garantir o funcionamento das tarefas e atividades que são necessárias no dia-a-dia. 

A interação familiar com as crianças/jovens implica em sensibilidade e capacidade de compreensão dos cuidadores, de forma a ponderar a melhor decisão sobre como educar e interagir, pois, há variáveis da criança e do contexto que vão requerer atitudes diferenciadas, para as quais de fato pode não ter uma receita única. O certo é que quanto mais os pais e outros cuidadores tiverem consciência sobre seus comportamentos, suas dificuldades e potencialidades, bem como a de seus filhos, por um lado e, por outro, quanto mais tiverem repertórios de interação social e de resolução de problemas e conflitos, maior a chance de escolherem a melhor prática educativa para resolver problemas e promover o desenvolvimento, mantendo o clima positivo. 

Há de se lembrar, adicionalmente, que há características da criança, da família e da escola que podem ajudar a promover ou a dificultar as interações sociais e os comportamentos infantis. Por exemplo crianças mais difíceis de acalmar, mais irritadiças, com síndromes, com doenças crônicas ou transtornos podem requerer dos pais mais habilidades, mais autocontrole para conseguir educar de maneira responsiva e eficiente. Outro exemplos são vulnerabilidades dos membros familiares que podem prejudicar na forma como educam as crianças, nesse ínterim familiares com problemas de saúde mental (depressão, ansiedade, uso abusivo de substâncias e problemas de controle de impulso) podem fazer uso de práticas educativas violentas, além de serem menos responsivos e consistentes nas suas práticas, aumentando o risco para problemas de comportamento externalizantes (como desobediência, oposição e agressividade) e/ou internalizantes (como timidez, ansiedade, depressão, recusa de ir para a escola). Outras dificuldades também são documentadas na literatura, como conviver em contexto de estresse crônico, ter doença crônica, conviver com conflitos conjugais, violência doméstica, ter pouco acesso à informação, ser pais na adolescência, dentre outros, são todos riscos para uso de práticas educativas que prejudicam o desenvolvimento da criança. A escola também poderá promover o desenvolvimento social e acadêmico da criança ou do jovem desde que assuma que as interações professor-aluno são também importantes e que os problemas comportamentais observados podem ser resultados das interações em mais de um contexto e, por esse motivo, intervenções de orientação ao professor têm se mostrado promissoras na promoção de competência social e redução de problemas de comportamento.

Esse preâmbulo foi para dizer que quando analisamos as interações pais e filhos e sugerimos algumas dicas do que se pode fazer para educá-los não se pode desconsiderar o contexto de vida e de dificuldade em que vivem as famílias e, por vezes, sem cuidar da saúde mental, do relacionamento conjugal e de outros estressores o ensino das práticas educativas poderá ser insuficiente, ainda que sempre será importante e necessário.

As sugestões que irei apontar a partir deste momento são estratégias cientificamente comprovadas, denominadas de habilidades sociais educativas ou de práticas parentais positivas, que podem ser utilizadas com todas as crianças/jovens, oferecendo diretrizes de como educar os filhos de forma a promover o desenvolvimento de todos os envolvidos, ainda que cada família terá de avaliar quais dessas dicas serão mais apropriadas para quais contextos. Elas são descritas considerando três conjuntos de práticas educativas: promover interações positivas, ensinar a seguir regras e lidar diretamente com o comportamento considerado inapropriado.

Kids Parents Nursery - Free photo on Pixabay

O primeiro conjunto de práticas educativas referem aos comportamentos dos cuidadores para promover interações positivas. Todos os comportamentos das crianças, incluindo os que são considerados inapropriados têm uma função, ou seja, uma razão para ocorrerem, que pode ser para obter atenção, se livrar de uma tarefa escolar, diante de um pedido que não queiram fazer porque exige esforço ou concorre com atividade prazerosa, como brincar, assistir televisão, ficar no computador, celular ou tablet e, nesse sentido, se os pais/cuidadores são capazes de manter interações positivas eles estarão dando atenção em momentos adequados, sendo modelos de bons comportamentos e criando um ambiente com maior probabilidade de o filho seguir regras que são necessárias. Tais práticas podem ser organizadas nos tópicos que seguem.

Ensinar a criança a emitir comportamentos habilidosos. Para isso os pais/cuidadores precisam estar atentos aos comportamentos positivos dos filhos, o que é uma tarefa difícil uma vez que se tende a identificar e consequenciar muito mais os comportamentos inapropriados que habilidosos, o que pode inadvertidamente fazer com que problemas de comportamento se mantenham com alta frequência. Por comportamento positivo entende-se tudo de positivo que a criança faz, como dar um bom dia, oferecer um cumprimento, um presente ou um carinho aos familiares, obedecer a uma regra combinada, dentre outros. Os comportamentos são aprendidos nas interações sociais e bons comportamentos “não são obrigação” como se costuma dizer em nossa cultura, eles precisam ser identificados e valorizados, com elogios, agradecimentos, carinhos, atenção e feedback positivo.

Conversar, oferecer explicações e dar opiniões sobre assuntos de interesse do filho e em diversas interações. Familiares de crianças com problemas de comportamento pouco ouvem seus filhos, pouco sabem sobre seus interesses e conversam, em geral, para ensinar certo ou errado, diante de comportamentos considerados inapropriados, impondo opiniões, ao invés de negociá-las.  Conversar sobre certo e errado, explicando para a criança as consequências do seu comportamento é de fundamental importância para ensinar comportamentos de seguir regras, de estudar e de interagir, mas é necessário também conversar sobre o desenho que a criança está vendo, sobre o amigo da escola, sobre a música que gosta, enfim, sobre tudo que a criança ou o adolescente se interessa e em diversos momentos do dia. Ao agir deste modo cria-se um contexto agradável para todos e a criança ficará também mais aberta a ouvir os conselhos e os pedidos de mudança de comportamento que os pais também precisarão utilizar para educá-la, além de se sentirem a vontade para pedir ajuda e conversar sobre problemas ou curiosidades que possam ter. Em tempos de quarentena o tempo com os filhos aumentou e fazer com que seja de qualidade poderá ajudar a promover o desenvolvimento e a ter momentos agradáveis em família.

Negociar em situações diversas. Negociar significa que ambos, cuidadores e filhos, precisam ceder em algo e, assim, é impossível negociar sem o diálogo, sem ouvir o que a criança ou o jovem deseja. Estudar é uma atividade que pode implicar em negociação, pois para muitas crianças ou jovens o estudo não é intrinsicamente motivador, enquanto que ficar na televisão ou celular é muito motivador. Então ao invés de brigar com a criança porque não quer estudar (foco no comportamento inapropriado), ainda mais agora que estão fora da escola, é possível combinar com ela que poderá fazer o que gosta após terminar determinada tarefa, que é necessária e inevitável e, assim, se estará incentivando o bom comportamento de estudar (foco no comportamento positivo). Desse modo há negociação, os dois lados cederam e se encontrou uma boa solução. Negociar pode ajudar a resolver conflitos em situações diversas entre irmãos, brincadeiras, alimentação, uso de televisão e dispositivos.

Cumprir promessas. Os pais querem e exigem que os filhos cumpram com combinados, promessas feitas, o que é realmente uma boa prática, mas nem sempre eles próprios o fazem. Os pais precisam ser modelos, exemplos de comportamentos para as crianças, então se prometerem algo, precisam cumprir, por exemplo, podem dizer que vão brincar ou assistir a um filme em determinado horário, por vezes eles dizem que farão algo apenas para o filho deixar de pedir naquela hora, mas julgam que a criança vá esquecer, é provável que não se esqueça e que fique ressentida e pior, aprenderá que não pode confiar nas promessas que ouve dos pais.

Identificar erros e pedir desculpas. Na mesma racional da sugestão anterior, os pais costumam ter dificuldades em admitir que erraram e em pedir desculpas, ainda que sejam comportamentos que se quer ensinar aos filhos. Então, é preciso entender que errar é humano, que existem muitas verdades para determinado problema e que admitir que errou não irá tirar a autoridade dos pais, mas sim irá demonstrar que esse comportamento ocorre e que se pode lidar com ele de maneira habilidosa.

Expressar sentimento positivo/elogiar/demonstrar afeto/carinho em diversas situações. Já foi sinalizada a importância do uso desses comportamentos para ensinar bons comportamentos. Entretanto, eles podem e devem ser usados o máximo possível em diferentes ocasiões, o que fará com que a criança se sinta amada, cuidada, promovendo autoestima, além de autoconfiança. Muitos cuidadores julgam que o carinho e o elogio “estragam” a criança, mas não é o que a ciência tem demonstrado, sendo o contrário, esses comportamentos parentais aumentam a competência social da criança.

Valorizar a demonstração de afeto das crianças/adolescentes. Além dos pais terem a iniciativa de expressar afeto, também precisam estar atentos e valorizar a expressão das crianças, que por vezes querem mostrar uma dança nova que aprenderam ou um desenho que fizeram ou simplesmente abraçam, pedem colo, enfim, são inúmeras as suas aproximações. Quanto mais os cuidadores valorizarem esses momentos, mais eles tenderão a acontecer e com certeza a qualidade da interação familiar ficará satisfatória.

File:Family playing board game.jpg - Wikimedia Commons

Disponibilizar brinquedos, livros e atividades. Os pais/cuidadores podem oferecer diversidade de atividades e/ou brinquedos para a criança ou o jovem se distrair. Especialmente neste momento em que vivemos e que ficar em casa é a solução que nos resta, brinque com sua criança, disponibilize brinquedos que ela goste e possa brincar sozinha parte do tempo, leia um livro, faça uma atividade física também são estratégias para a criança ou o jovem se sentir bem e emitir menos frequentemente comportamentos que requerem limites.

Monitorar/supervisionar atividades escolares. Esse comportamento parental é bem documentado como fator de proteção para evitar a ocorrência de problemas de comportamento e dificuldades de aprendizagem. Os pais não são professores, não necessariamente precisam ensinar o conteúdo acadêmico, mas é seu papel disponibilizar um ambiente calmo, livre de estímulos, com o material necessário, oferecer ajuda para lidar com as tecnologias digitais, verificar se o filho fez as tarefas escolares, valorizar o estudar e estar em contato com a escola. Todos esses comportamentos podem promover o desenvolvimento acadêmico e social, ajudando a criança a aprender a estudar, que é de extrema importância.

O segundo conjunto de práticas que mencionei refere ao ensino de seguir regras, o qual também pode prevenir o surgimento e/ou manutenção de problemas de comportamento. 

Aprender a seguir regras é um comportamento relevante de ensino porque é exigido em diferentes situações e ambientes. Entretanto também para as regras negociar com a criança ou o jovem é uma boa saída. Por exemplo, quanto tempo poderá ser usado o celular, quais horários irá dormir, fazer a tarefa de casa, ajudar nas atividades coletivas da casa e assim por diante. O comportamento de seguir regras também precisa ser valorizado pelos pais/cuidadores, então se a criança arrumou a cama, como combinado, merece um agradecimento, um elogio, se a criança comeu sozinha, merece um sorriso, um elogio. Algumas dicas é de ensinar uma regra por vez, valorizar pequenos avanços que estão de acordo com a idade da criança e prestar mais atenção ao que o filho conseguiu fazer. Por exemplo, se a criança pequena comeu sozinha, um grande avanço para sua idade, mas deixou cair alguma migalha na mesa e no chão, isso poderá ser ignorado, não se deve brigar com a criança por esse motivo, comer sozinha é um grande feito para sua idade e deve ser valorizado. Quando a regra não for seguida, pode-se perguntar para a criança o que aconteceu, repetir a regra novamente e oferecer ajuda.

Outro comportamento relacionado a essa temática é o de ter consistência nas próprias práticas e com outros educadores.  Se um educador estabelece uma regra diferente do outro ou se consequencia de maneira diversa, a criança ou jovem aprenderá o que pedir para quem, bem como saberá como se livrar de tarefas que precisa fazer, mas que não gosta. Por isso a comunicação entre os parceiros e outras pessoas que convivem com a criança é fundamental para que o ensino das regras seja eficiente. 

Para garantir a consistência nas próprias práticas é preciso ter autocontrole das emoções porque é certo que dependendo do que a criança ou jovem fizer gerará emoções negativas, além disso a situação que estamos vivendo também pode interferir no humor, bem como problemas de saúde mental e outros estressores, como medo de perder o emprego, redução de salários, saudades das pessoas que não se pode visitar etc. Se ora agirmos de uma forma e ora de outra, de acordo com o humor e não com o comportamento da criança ou do jovem, aumenta-se o risco para problemas de comportamentos, porque as regras não serão ensinadas corretamente. Além disso, nos momentos em que há descontrole emocional, pode-se agir de forma agressiva, que não ajudará a estabelecer limites e a ensinar o comportamento habilidoso. Nesses momentos é comum o uso de xingamentos, punição física, ameaça de abandono ou de retirada de afeto/amor, todas essas estratégias são consideradas práticas educativas negativas, que do ponto de vista do ensino de comportamentos não leva ao objetivo esperado, apenas ensinará o filho a agir dessa mesma forma quando algo que não gostar acontecer, aumentando o ressentimento e a tendência a desafiar. Portanto, se estiver se sentindo nervoso, com raiva, saia da situação, peça ajuda para alguém, busque se autocontrolar, se acalme antes de agir para estabelecer o limite, pense nas consequências de agir desse modo e não aja no impulso, identifique qual o comportamento da criança/jovem que te incomodou e não atribua à pessoa como um todo, que a qualifica negativamente, com falas do tipo “você é um desastre, você não tem jeito”. No entanto, se perder a paciência e agir de forma que se arrependa, peça desculpas ao seu filho. O controle das emoções será essencial para o próximo e último tópico que iremos abordar, que refere a lidar diretamente com os comportamentos que incomodam. 

As práticas positivas que garantem um ambiente de interação positiva e de ensino de seguimento de regras poderão reduzir muito a ocorrência de comportamentos agressivos, de desobediência e de desafio nas crianças e jovens. No entanto, considerando variações individuais e familiares, como já apontado, esses comportamentos podem ocorrer, mesmo que seja com pequena frequência. E para esses momentos é possível indicar algumas estratégias, que são descritas na sequência, no que tange a lidar diretamente com os comportamentos considerados inapropriados.

Ignorar eventos triviais. Uma primeira dica é a de ignorar os comportamentos que incomodam mas que têm menor importância, então por exemplo, digamos que a criança precise seguir a regra de arrumar o quarto, o que ela fez, mas não ficou perfeito, sobrou algo fora do lugar, talvez seja um exemplo de comportamento que se possa ignorar, e valorizar o que ela fez de certo. 

Monitorar, supervisionar. É comum que a criança e, em especial, os adolescentes, precisem ser lembrados muitas vezes de algo que precisa ser feito, o que costuma irritar muito os cuidadores. Por exemplo para tomar banho, para comer, para fazer tarefa, é preciso pedir uma, duas, três vezes até que a criança obedeça. Bem, a dica é pedir quantas vezes for necessário e se mesmo assim a criança ou o jovem não fizer a tarefa necessária com independência, então o adulto poderá ir até o lugar em que está o filho e solicitar que faça o que precisa ser feito, na sequência o adulto poderá esperar a ocorrência do comportamento e então agradecer. É realmente trabalhoso, ainda mais com tantos afazeres concorrendo, mas é uma forma de ensinar a obedecer, a seguir regras e a emitir comportamentos necessários de maneira habilidosa, não violenta.

Distrair a criança. Essa prática ajuda bastante com criança pequena. Por exemplo ela pode estar disputando espaço com um irmão, ou pode estar querendo algo que não é possível no momento, pode ficar chorando, insistindo ou brigando com o irmão/familiares; o adulto poderá esperar a criança se acalmar, propor outra atividade, ou chamar a atenção da criança para algo que estiver acontecendo que tire o foco do que está levando ao choro. É possível dizer para a criança algo assim “que tal deixar seu irmão vendo o programa que ele gosta e depois você vê o seu e enquanto isso a gente poderá jogar o seu jogo favorito, o que acha? Vamos!?” ou “você está muito bravo agora, vou dar um tempinho para você se acalmar, aí conversamos, ok!?”.

Identificar e consequenciar a emissão de comportamentos habilidosos relacionados aos problemáticos. Essa prática refere ao quanto é importante identificar o motivo da ocorrência do comportamento problema e se a função é a de conseguir atenção, então os pais/cuidadores precisam dar atenção para outros comportamentos positivos, mas se os comportamentos que incomodam são resultante da esquiva de fazer tarefas de casa, então é preciso alterar a rotina de estudo e oferecer recompensas para o estudar, dispor de ajuda e, assim por diante.

Solicitar mudança de comportamento. É uma estratégia muito eficaz para estabelecer limites, ela agrega diversas práticas positivas ou habilidades sociais educativas. A primeira delas é a de descrever para o filho qual o comportamento que você não gostou e os efeitos dele (Você empurrou o seu irmão e ele machucou o rosto, está sangrando), para então dizer como se sentiu (cada vez que você age assim eu fico muito triste), na sequência se indica um comportamento alternativo (da próxima vez que ele fizer algo que você não goste, me chame ou converse sem brigar ou empurrar) e, para finalizar, indique as consequências da mudança (agindo de outro modo todos ficamos bem e ninguém se machuca). Nessa estratégia há diversas habilidades envolvidas: identificar e descrever o comportamento inapropriado, descrever as consequências naturais desse comportamento, expressar sentimento negativo, oferecer modelo de comportamento alternativo, fazer pedido nessa direção e então descrever as consequências naturais e lógicas deste comportamento novo.

Dizer não com explicação. Diante de um pedido que não se pode atender, ou de um comportamento inapropriado, pode-se dizer não, explicando com a verdade o motivo do não. Por exemplo diante da criança pulando no sofá, pode-se dizer “você não pode pular no sofá porque poderá cair e se machucar, além disso o sofá poderá quebrar e não poderemos mais usá-lo, por favor pare de pular!”.

Fazer críticas de maneira habilidosa. Pode-se evitar criticar tudo e a todo o momento, o que é muito comum nas famílias, gerando muito estresse e conflitos interacionais. Mas se for necessário criticar, então é possível combinar a crítica com elogios, por exemplo “hoje você estudou sem brigar, o que é muito bom, mas a professora se queixou que você não entregou todas as tarefas, então amanhã você poderá fazer tudo o que precisa, não será problema para você que já agiu assim tantas outras vezes.”

As habilidades sociais de expressar sentimentos negativos sem brigar, expressar opiniões mantendo a calma e conversar sobre o que é certo e errado fazer são também estratégias que ajudam a criar um clima positivo e estabelecer limites.

Se os pais/cuidadores conseguirem aplicar essas sugestões é muito provável que consigam resolver os problemas e manter um clima familiar positivo. Nessa direção, nós desenvolvemos um programa denominado Promove-Pais que foi elaborado com base na literatura internacional e nacional, considerando a realidade do nosso contexto interacional que busca ensinar, de maneira colaborativa, os pais/cuidadores a aplicar essas estratégias de educação com seus filhos. Os resultados das pesquisas de resultado e de processo realizadas são animadores uma vez que práticas negativas e problemas de comportamento internalizantes e externalizantes de pré-escolares, escolares e adolescentes reduziram expressivamente após a intervenção, bem como as práticas positivas e as habilidades sociais infantis aumentaram ao final do programa, com manutenção após seis meses. Espero que esse texto sirva de incentivo ao estudo deste tema tão atual e relevante, bem como estimule o uso de práticas educativas positivas na interação familiar, que genuinamente ampliam o repertório social e reduzem o risco para o desenvolvimento. 

Alessandra Turini Bolsoni-Silva é Professora Associada da Unesp – Bauru. Membro dos Grupos de Trabalho intitulados Aprendizagem, Desenvolvimento e Saúde Mental do Escolar, Relações Interpessoais e Habilidades Sociais,  REDETAC – Rede de colaboração interinstitucional para a pesquisa e o desenvolvimento das Terapias Analítico,  (CNPq) e  Relações Interpessoais e Competência Social (Anpepp). Autora dos livros Orientação para Pais e Mães: como melhorar o relacionamento com seu filho (Editora Juruá),  Promove Crianças e Promove Pais – Editora Hogrefe.

Referências:

Bolsoni-Silva, A. T., Marturano, E. M., & Fogaça, F. F. S. (2019). Orientação para pais e mães: Como melhorar o relacionamento com seu filho. Juruá.

Bolsoni-Silva, A. T., & Fogaca, F. F. S. (2018). Promove – Pais. Treinamento de habilidades sociais educativas: guia teórico e prático. Hogrefe.

Apoio psicológico online e gratuito – Mobilização Paradigma

O Projeto Mobilização Paradigma está disponibilizando atendimentos psicológicos para pessoas expostas à COVID-19, por atuarem na linha de frente no combate à pandemia e em serviços essenciais.

Os atendimentos consistem no oferecimento de apoio psicológico voluntário, disponibilizado na modalidade online, com duração de 50 minutos, no formato de plantão psicológico.

Essa é uma iniciativa de alunos e professores do Paradigma – Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento. O Paradigma é uma organização sem fins lucrativos, que visa difundir e dinamizar ciência, atuações e reflexões da Análise do Comportamento, atendendo as necessidades humanas de forma ética e sustentável.

Para saber mais do projeto, você pode entrar em contato com o WhatsApp em: (11) 95435-4613 ou acessar https://www.paradigmaac.org/mobilizacao.

[Material SBP] Violência contra a mulher

Na semana passada iniciamos a publicação dos resumos de todos os materiais técnicos elaborados pelo Grupo de Trabalho (GT) de enfrentamento a pandemia de COVID-19 da SBP (Sociedade Brasileira de Psicologia). Hoje, compartilhamos as informações do último texto. No total, foram apresentados 10 tópicos e você pode consultá-los na íntegra aqui.

Por fim, o post de hoje é baseado no texto “Violência contra a mulher″, de Leonardo Cavalcante de Araújo Mello e João Gabriel Modesto. Você pode consultar as informações gerais na imagem abaixo ou clicar aqui para vê-lo na íntegra.

[Material SBP] Apoio psicológico para pais de crianças de 0 a 11 anos

Esse é o penúltimo post da série de resumos elaborados com base no material técnico do Grupo de Trabalho (GT) de enfrentamento a pandemia de COVID-19 da SBP (Sociedade Brasileira de Psicologia).

Ele é baseado no texto “Apoio psicológico para pais de crianças de 0 a 11 anos durante a pandemia de COVID-19“, de Patrícia Alvarenga e colegas. Você pode consultar as informações gerais na imagem abaixo ou clicar aqui para vê-lo na íntegra.

[Material SBP] Manejo das alterações de sono

Esta é mais uma publicação baseada no material técnico elaborado pelo Grupo de Trabalho (GT) de enfrentamento a pandemia de COVID-19 da SBP (Sociedade Brasileira de Psicologia).

O post de hoje é baseado no texto “Manejo das alterações de sono no contexto de enfrentamento da COVID-19“, de Katie Moraes de Almondes. Você pode consultar as informações gerais na imagem abaixo ou clicar aqui para vê-lo na íntegra.

[Material SBP] Manejo de conflitos na família

Hoje temos mais um resumo dos textos que foram elaborados pelo Grupo de Trabalho (GT) de enfrentamento a pandemia de COVID-19 da SBP (Sociedade Brasileira de Psicologia).

O sétimo tópico abordado por eles é “Manejo de conflitos na família”, de Maria Rita Zoéga Soares e João Gabriel Modesto. Você pode consultar as informações gerais na imagem abaixo ou clicar aqui para vê-lo na íntegra.

[Material SBP] Luto

Iniciamos essa semana retomando o compartilhamento dos materiais técnicos que foram elaborados pelo Grupo de Trabalho (GT) de enfrentamento a pandemia de COVID-19 da SBP (Sociedade Brasileira de Psicologia).

O post de hoje é baseado no texto “Luto“, de Maria Cristina de Oliveira Santos Miyazak e Maycoln Teodoro. Você pode consultar as informações gerais na imagem abaixo ou clicar aqui para vê-lo na íntegra.

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